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segunda-feira, 19 de julho de 2010

Pode falar



" - Oi, meu nome é Roberto, eu canto Roberto, já compus muitas músicas, você conhece essa daqui do Roberto?
- Conheço, conheço sim ...

- Qual é seu nome?
- Francielle
- Vâmo compôr uma música juntos?
- Não, não tenho criatividade pra essas coisas, compõe você só
[ ... ]
- Sabe, eu tenho uma filha que se casou e se foi ... tenho minha mulher, mas minha mulher não quer saber de mim ... porque quando a gente tá junto com uma pessoa tem que dar carinho né, você não acha? Eu vou procurar quem me queira, porque tem ... você num acha que tô certo?
- Tá sim, tem muita mulher por aí ... procura outra
- Você é bonita, eu não sou bonito ... você me acha feio?
- Nenhum ser humano é feio não ... todo mundo tem sua beleza, Roberto."
E sorriu.


Eu tenho isso de não conseguir ignorar alguém que venha falar comigo, mesmo que seja um maluco cantando Roberto Carlos no banco de uma rodoviária. Senta do meu lado, dá a mão e eu aperto, pergunta e eu respondo, faz graça e eu rio por educação. Porque deve ser horrível todos te virarem a cara quando o que você só precisa é de uns dez minutos que seja de diálogo ... não quero isso pra mim, logo não faço com os outros.
E enquanto ele falava eu fiquei imaginando o tanto de histórias que deviam estar loucas para serem conhecidas por outras pessoas; a bagagem enorme que ele por certo carregava de seus sabe-se lá quantos anos.
As pessoas olhavam com um certo receio e vontade de rir daquela cena, mas não é do meio feitio me importar com "achismos" alheios. Gosto de ouvir os outros, me faz bem. Independente de quem seja.
Uma vez fui no asilo, não lembro muito bem o porque, mas o caso é que dentre as pessoas que conversei, um senhor me marcou muito. Ele na cadeira de rodas e eu, pra variar, sentadona no chão só ouvindo ... como a maioria, ele também tinha sido abandonado pela - se é que se pode chamar assim - família, mas mantia um sorriso sincero no rosto. Conversamos bastante e eu acabei me emocionando e não consegui segurar algumas lágrimas, ele percebeu e também não segurou as dele. E no fim rimos.

Tem tanta história boa por aí que só precisa de um ouvido companheiro pra se libertar.
Na rodoviária, no ônibus, na fila do banco ... tem sempre alguém precisando de uma boa prosa.
Eu quero, lá no final, ter muita coisa boa pra contar ...


" - E você, quer conversar comigo? Vamos, vâmo conversa?
- Vâmo, vâmo sim. Pode falar Roberto".

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