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segunda-feira, 13 de setembro de 2010

1.

Acordou e logo foi na janela dar bom dia à vida.

Cinza. Tudo estava cinza. Mas deu bom dia mesmo assim.

Era egoísta e queria chuva apenas quando lhe convinha. Caso contrário, gostava de despertar com o sol amarelando aquele azul que parecia sorrir. Hoje o dia pedia jeans e moletom para que combinasse com seu tom; a saia fresquinha típica de segundas-feiras ficaria dormindo lá no seu canto. "Abre o guarda-chuva que hoje o sol desistiu de sair" - lembrou e cantarolava Tiê.

Tomou café lendo as notícias na internet – “preciso começar a assinar algum jornal” ela sempre pensava nesse momento – e botou um sambinha leve pra tocar.
Sim, todo dia ela faz tudo sempre igual.

Prendeu o cabelo – porque ondulado não combina com umidade -, pegou o guarda-chuva e o fone de ouvido – “lá fora tá com cara de Bob Dylan” -, trancou suas coisas de gente que tá começando a ser grande e foi – “quero e preciso de um cachorro, quero e preciso fazer a tatuagem no ombro...”

E entrou no ônibus esperando encontrar seu amor pra sempre. Pra sempre de um sorriso, um canto de olho, um ‘dá licença, brigada’. Porque era assim, cada dia imaginando uma nova história. Porque cada dia é um dia, é novo, e temos que estar novos também, esperando coisas novas. Sem isso, não seria um novo dia, apenas a continuação de um ciclo onde você está inserido e não sabe onde vai dar nem quando vai acabar. Aí é muito sem graça.

E cada dia encontrava o amor de sua vida. Porque ela era assim, gostava de um amor inventado. Ou senão ficava escrevendo histórias mentalmente daqueles rostos desconhecidos que lhe faziam companhia – “hoje o dia vai ser longo”.
“Aquele cara tem uma boca bem bonita” – analisou em uma das paradas.

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‘Get your motor running, head out on the highway’ o fez acordar de um pulo. Sabia que estava atrasado, pois era a terceira vez que ‘Born to be wild’ começara a tocar.

“Merda”.

Foi pro banheiro cumprir aquela santa rotina de todo homem. Engraçado definir-lhe como homem, 21 anos dando pra se passar por uns 17, 18. Era magro, não raquítico; um pouco alto demais; branco demais; cabelo bagunçado demais e com vontade própria, pois cada dia aquela coisa preta acordava de um jeito e assim ficava o resto do dia; uma boca rosada também um pouco grande demais com dentes exageradamente brancos. Pegou a calça da cadeira e cheirou a camiseta em cima do computador. Botou o all star surrado com uma meia na mesma situação, jogou a mochila nas costas e saiu.

“Merda” e voltou pra pegar um moletom e procurar o guarda-chuva que sua mãe havia deixado nãolembraonde da última vez que fora visitá-lo. Odiava guarda-chuva e não tinha muita paciência pra ônibus. Lembrou que também não tinha dinheiro e, pra falar verdade, nem sabia quanto era o passe, já estava habituado com a bicicleta mesmo.

Passou na padaria de sempre da esquina, pegou um café e dois reais emprestado com o Gilberto – “valeu cara, na sexta passo aqui e acerto” e teve sorte de o ônibus estar passando bem quando chegou no ponto.
Com ‘If you can’t rock me’ tocando no fone, se embrenhou no meio daquele monte de gente estranha – “ o que será que aquela garota do olho claro tá ouvindo?”

Um comentário:

  1. Passando pelo blog de algumas amigas, encontrei esse belo cantinhu!
    Adorei tudo aqui....

    Voltarei sempre!
    -Passa la no meu e comenta!
    Tem texto novo!

    Bjinhus =)

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