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sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Maria.


“Posso sentar?”
Fez um sim com a cabeça e esboçou um sorriso no canto da boca por simpatia.

“Vi do balcão que você tava sozinha. Tá esperando alguém?”
Tô, só não sei muito bem quem. “Não”

“Tudo bem, se estiver te atrapalhando eu saio. Apenas fiquei curioso pra saber por que a moça bonita estava sozinha.”
A pura e simples vontade de ter a cadeira ao lado vazia não existe mais, pelo jeito. “Não, pode ficar. Pede um copo pro garçom e me acompanhe na cerveja, se quiser.”

Fez exatamente o que mandara. Às vezes tinha raiva de ser obedecida.

“Vi que era cerveja, mas você tem jeito de whisky. Deixa, viajei. Qual é seu nome?”
Ela e o whisky, seu bom e velho companheiro de noites que ela só sabia que tinham existido por relatos alheios, estavam dando um tempo. “Maria. É, eu gosto bastante de cerveja. E você?"
“Raul. Também curto uma gelada."


Silêncio. Copo batendo na mesa. Descarga. Buzina e filho da puta lá fora. Página virando. Garçom, manda outra.

“E então, o que você tá lendo?”
“Futuro para três, do nãoseioque Joseph Cronin." Poderia ter dito que estava numa coletânea com mais três romances que encontrara por acaso na casa dos pais durante as férias e que provavelmente seria de sua mãe, pois seu pai não era muito fã de literatura, não, gostava só de jornais mesmo e entendia muito bem o mundo agrícola.

“Hum, não conheço. Que tipo de história é?”
“Romance.” Um filho que pensa que o pai estava morto e descobre que na verdade estava preso porque tinha sido acusado de homicídio, mas na realidade era inocente e então ele tenta provar isso, e era uma história muito gostosa de ler, sabe, tinha simpatia por autores estrangeiros, e era a primeira vez que lia um escocês, pelo o que lembrava. Só pensou, não falou nada.

Primeira vez que venho nesse bar. Tô trabalhando por aqui, acabei de ser transferido e ainda não conheço muito bem esse lado da cidade, mas parece ser legal. Você vem sempre aqui?”
Não, pois queria justamente um lugar sem pessoas conhecidas para incomodá-la. “Às vezes.”

“E você, o que faz da vida?”
No momento, tenta acabar com os meios dela. “Estudo”

“Acabei a faculdade ano passado, me formei em Economia e por sorte consegui ser efetivado onde fazia estágio. E você?”
E ela? Bom, ela queria se efetivar em algum lugar, talvez estagiar no baixo e se fixar em cima. Cansou de seus romances pacatos, suas brigas sem o sexo arrasador da reconciliação e suas separações de lágrimas por educação. Se fartou de paixões que não deixam rastros e de feridas sem cicatrizes. Das saudades que não chegam a doer fisicamente e das noites passadas em claro que não faziam falta. "Tô acabando ADM e não tenho estágio, ainda não sei se é isso que realmente quero"

"Entendo, e você tem o quê em mente?"
Tentou vasculhar em seu baú mental e se impressionou com a bagunça do lugar. Em mente apenas sair da metade e descabelar-se por completo, deixar o tom pastel e adotar o laranja. Fazer bonito ou fazer feio, mas não fazer para ter feito. Se jogar e não deitar; agarrar e não abraçar. Abraçar só o mundo. E Maria ... Maria também era meio-nome, meio santo, meio pecado. Céu ou inferno, mas não o purgatório. "Tô descobrindo."

Deixou no ar um valeu-foi-bom-te-conhecer-mas-tenho-que-ir-beijo-até-mais e saiu. Ele era bonito, mas meio idiota. Se fosse um total, poderia até ter ficado.
Andou devagar e chegou num bar com mesas totalmente vazias. Manteve o livro fechado - um assunto a menos para ser puxado.

"Um whisky sem gelo, por favor"

Haveria de ter pelo menos uma ressaca inteira.

Um comentário:

  1. Boa Maria. Nada como um velho whisky pra fazer companhia. Um adolescente de 12 anos com a sabedoria d eum velho.

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